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Incêndios a Bibliotecas de Alexandria tupiniquins: uma singela catarse

  • Natasha Radsack
  • 10 de fev. de 2021
  • 4 min de leitura

Setembro é o mês em que comemora-se o “dia do biólogo”, motivo de muito orgulho para muitos. Mas admito que perdi o brilho durante os últimos anos. Em outubro há o “dia dos professores”, data que segui na letargia no infindável 2020, apesar de permanecer firme na escolha da carreira.

A tristeza pode ter como um de seus pilares o crescente sucateamento de instituições públicas, além de sinceramente achar que estamos normalizando os incêndios de museus, teatros ou de qualquer possibilidade de acesso mais democrático à ciência e cultura. Segue a labareda:


  • Museu de Arte Moderna do Rio: 8 de julho de 1978;

  • Teatro Cultura Artística, 2008;

  • Instituto Butantan: 15 de maio de 2010;

  • Memorial da América Latina: 29 de novembro de 2013;

  • Centro Cultural Liceu de Artes e Ofícios, 2014;

  • Museu da Língua Portuguesa: 21 de dezembro de 2015;

  • Cinemateca Brasileira, 2016;

  • Museu Nacional: 2 de setembro de 2018;

  • Museu de História Natural da UFMG: 15 de junho de 2020


Permitam-me uma nostalgia lúdica. Fui uma daquelas crianças dos anos 90 que, pro terror da família tradicional brasileira, dizia que queria ser paleontóloga. Jurassic Park estava diante dos meus olhos nas visitas ao Museu Nacional. Quase conseguia ouvir os rugidos dos fósseis. Paleonto não encantou tanto, mas seguimos nos répteis. Fui estagiária na coleção de Herpetologia do Museu Nacional durante a graduação, ao passo que trilhava minha trajetória na sala de aula (monitorias, uma substituição aqui e ali e, finalmente, minhas próprias turmas).


Fachada do Museu Nacional - Fonte: Google Arts and Culture


Empréstimos de espécimes da coleção didática da Seção de Assistência ao Ensino (SAE – Museu Nacional), aulas com slides contendo fotos da época de estágio, contos e anedotas dos perrengues à la Náufrago. Aos poucos tentava trazer mais da primeira instituição de pesquisa do Brasil para próximo dos estudantes, especialmente daqueles que achavam que um laboratório era digno do roteirista de Gattaca¹.

Com a destreza de quem moldou o caráter nas terras de “Julinho da Van”², no subúrbio da Zona Oeste, havia a obrigação de entrelaçar alaços entre academia e a sociedade. E graças a essa política de empréstimos pouco burocráticos, os “bichos esquisitos” enfim tinham a chance de virar uma alegria em aulas práticas.

Os estudantes agora sabiam o que aquele museu realmente representava. Sabiam da importância de proteger um dos espaços mais democrático do Rio de Janeiro, afinal, era o único museu do Rio a apresentar uma logística que inclui linhas de trem, metrô e ônibus. Entrada a preço justo, amplo espaço para lazer. Da Baixada Fluminense à Zona Sul, do Brasil para o mundo, sejam todos muito bem vindos ao Museu Nacional!



Salão lúdico de entomologia no Museu Nacional - Fonte: Arquivo Museu Nacional

Todo ano era a mesma pergunta, em todas as séries: “Quando vamos pro Museu Nacional?!”. Sempre a mesma deliciosa ansiedade. Porém, apesar da expectativa anual, eventualmente vinha na cabeça a lembrança de uma roda de conversa que tive durante o estágio. Lembro inclusive do cheiro de café pronto, e dos bichos no álcool 70%³ (que saudade!)... e claro que lembro também do temor que senti.

Todos os graduandos sentaram-se ao redor de um doutorando que foi estagiário no Butantan quando tinha nossa idade. Olhos marejados, “Eu espero de coração que vocês nunca passem pelo que eu passei no ‘Buta’. Vocês não sabem o que é ver queimar a instituição que você mais ama, onde tem sua pesquisa e onde se faz amigos. Sei que vocês cuidam da coleção, mas cuidem com amor. Sempre”.

Anos se passaram e, na noite de 02 de setembro de 2018, surge uma ligação afobada dos meus antigos amigos do laboratório. Pegamos um táxi e entendemos exatamente o desespero daquele que nos pôs em roda. Uma terrível luz se alastrava pelo Palácio. Pouco a pouco eu abria a boca e escorriam as mais queridas lembranças de meus olhos.


Albert Einstein visitando as instalações do Museu Nacional — Fonte: Arquivo Museu Nacional


Pesquisas incríveis arderam junto da memória da passagem de Bertha Lutz4 a Einstein. Mas não vou me ater somente ao meio acadêmico, pois ali também queimaram lembranças de gargalhadas, romances, amizades, choros,... talvez todas as emoções vividas tenham queimado ali. Uma mistura de silêncio e gritos.

Uma tragédia anunciada frente a um contexto de descaso, fake news, negacionismo, sucateamento de instituições públicas e desigualdade social. A antiga ansiedade pelas excursões ao Museu dera lugar à melancolia, “Poxa professora, queria muito ter ido. Não tive oportunidade de ir, antes do Museu pegar fogo”.


Pessoas atônitas frente ao museu no dia de seu incêndio - Foto: Ricardo Moraes/Reuters


Mas a ideia aqui não é criar uma hecatombe, pois existem formas de tentar evitar mais tragédias desse gênero. A visitação é sempre muito importante: conheçam os museus próximos a você. Mesmo em meio à pandemia, existem tours virtuais5 (inclusive pelo YouTube). Curtam as páginas dessas instituições nas redes sociais e acompanhem sua programação. Uma boa ajuda também é o voto consciente, com candidatos cujas propostas não excluam Ciência, Tecnologia e Cultura.

Mais do que nunca, o Museu se faz presente. Os laboratórios seguem suas atividades, mesmo com todas as dificuldades. Minhas aulas? O Museu faz parte delas, mais do que nunca! Por meio de fotos nos slides, depoimentos de amigos dos programas de pós-graduação e empréstimo de materiais didáticos. #MuseuNacionalVive


Notas de Rodapé:

1 : Filme de ficção científica de 1997 no qual as pessoas são criadas em laboratórios. Diante desse cenário, pessoas que são concebidas naturalmente são vistas como inferiores ou inválidas.

2: Personagem do programa de humor Choque de Cultura.

3 : Utilizado em um dos métodos de conservar animais (desde invertebrados a vertebrados) para compor uma coleção científica ou coleção didática. Ambas coleções estão presentes em laboratórios de museus que apresentem teor biológico.

4 : Brasileira nascida em 1894 formada em Biologia na Europa e maior nome na luta pelos direitos políticos das mulheres no Brasil. No Brasil, entrou para o Museu Nacional como bióloga por meio de concurso público, se tornando a segunda mulher a entrar no serviço público do país. Para saber mais informações sobre a trajetória de Bertha Lutz acesse: https://www12.senado.leg.br/noticias/entenda-o-assunto/bertha-lutz

5 : O tour virtual pelo Museu Nacional pode ser realizado através da plataforma Google Arts and Culture no link: https://artsandculture.google.com/partner/museu-nacional-ufrj


Natasha Radsack, suburbana exercendo a docência e entusiasta da gambiarra argumentativa. Formada em Licenciatura em Ciências Biológicas pela UFRJ


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